Quando a verdade entrou em desuso?

Pedro Bontorim
2 min readDec 30, 2022

--

Em 2021, #NFT foi a palavra do ano segundo o tradicional dicionário Collins, considerando as buscas e menções da palavra. Sem o buzz do ano passado, a palavra escolhida foi “Permacrisis”. Talvez você não ficou sabendo, afinal 2021 teve guerra, crises econômicas, Copa do Mundo, Eleições e mais COVID. Mas “permacrisis” define justamente um período instável de crise que se prolonga por tempo indeterminado. Ou seja, traduz bem o letárgico, suspenso e indefinido 2022.

Acima de crise sanitária e incertezas monetárias, existe uma #Permacrisis mais assustadora e fatal: o desuso da verdade. Você já reparou? Será que na era do positivismo, streaming, dos algoritmos personalizados e afins, nossa mente se achou no direito de também montar o feed da verdade que nos convém? Com uma curadoria sob medida, abstraindo as verdades que incomodam e acomodando as justificativas que toleramos. As meias–verdades, fakes news, narrativas tendenciosas, são as nossas junkie foods da saúde mental / emocional dos dias de hoje.

Existe uma expressão em latim “Argumentum ad ignorantiam”, conhecida como “apelo à ignorância”, usada a partir do século XVII por John Locke. Um recurso lógico sem fundamento que desacredita fatos (ou os confirma) por relações sem sentido. Por exemplo, “Sou brasileiro, nunca roubei. Logo, não há corrupção no Brasil”.

Antes, a verdade era o bem mais valioso. Desvendar a verdade é algo divino, inclusive a Bíblia nos deixa diversos textos com este convite como o famoso versículo João 8:32 “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Ou até mesmo a antítese de Oseias 4:6 “meu povo perece por falta de conhecimento”.

Hoje, parece que a verdade se tornou um mero detalhe. Antes, fake news se espalhavam por pessoas mais desinformadas ou sem intimidade com a tecnologia, hoje elas correm pelas mãos de todos, mantendo forte a estatística que mais de 60% compartilham matérias sem ler o conteúdo, lendo apenas o título. O que dirá checar fontes e se é verdade de fato?

“Vivemos em um mundo de fantasias e ilusões. A grande tarefa da vida é encontrar a realidade” é uma frase da escritora e filósofa irlandesa Iris Murdoch. Parece que ela já pressagiava o que viria de ser. E olha que ela faleceu em 1999.

--

--